A CRIANÇA PERDIDA
Ela
era esperta para a época, gostava de amizades, de pescar, dos
familiares, tinha adoração pelos seus pais e por seu único irmão que o
deixou há 13 anos passados.
Tinha
uns brinquedos simplesinhos, mas passava horas inteiras absorto com
os mesmos, não importando ser uma lata de marmelada vazia que virava seu
caminhãozinho ou um simples pedaço de argila na qual moldava uma careta
ou um automóvel, colocando até duas pelotinhas no que seriam os faróis
encaixados no para-lama.
Acompanhei
seu crescimento em idade e em altura, sua fome por leitura, qualquer
que fosse e nisso está incluído também os Almanaques do Capivarol, do
Biotônico Fontoura, da revista Em Guarda (da 2ª Guerra Mundial), algum
caderno da Folha da Manhã ou do O Estado de São Paulo, como também de
qualquer outro jornal, enfim tudo que pudesse ser lido.
Tinha
um amor intenso pela sua avó materna, até achando que quando ela
falecesse ele também queria morrer para poder acompanhá-la. Claro que
isto não aconteceu, pois, como uma fruta, ele também foi amadurecendo e
sentindo as íngremes ladeiras e as penosas subidas no dia-a-dia do ser
humano, principalmente quando se carrega somente o necessário.
Ele
nada reclamava, achava tudo normal, até usar as roupas de seu irmão
mais velho, o primeiro terno. Gostava das matinês aos domingos e era,
sem dúvida, uma criança feliz...
Mas o tempo foi passando e eu não consigo mais encontrar esta criança.
Às
vezes a enxergava em meus filhos quando pequenos, mas eles também
cresceram e foram embora. Passei a vê-lo nos netinhos, que alegria! Mas
até os netinhos crescem e eu continuo me perguntando:
- Cadê aquela criança que tão bem me iludia com seus sonhos, até mesmo em ir para a Academia da Aeronáutica? Será que voou por este mundo afora?
Lembro-me
que sempre teve bons amigos e, às vezes varava por baixo da lona para
entrar no circo, onde se deliciava com as patacoadas dos palhaços, com
as piruetas nos trapézios ou então esbugalhava os olhos com o mágico que
encantava a todos.
Não
encontrei esta criança nos velórios de meus entes queridos, fiquei um
pouco chateado, mas a vida - me disseram - é assim mesmo: ora parece um
ferro em brasa a queimar nossos sentimentos, ora é azeda como limão,
ácida como vinagre; outras vezes, é salgada como o Mar Morto, pelas
adversidades que enfrentamos por culpa exclusivamente nossa.
Mas que coisa, ainda não encontro essa criança.
- Onde poderá estar? Você poderia me dizer?
Como
sou meio desatento em observar o conteúdo de casa, ontem levei um baita
susto que amoleceu minhas pernas, fez tremer meu coração e me fazer
cair na realidade. Olhei bem de frente um grande espelho que temos no
nosso closet e encontrei a bendita criança que, por todos esses
anos, eu vinha procurando:
Lá estava ela refletida no espelho!
Não
mais aquela criança que eu tinha na memória, mas aquela que, no
decorrer dos anos, foi pagando o seu preço de custo pelos dias
transcorridos, pela sabedoria que conseguiu estocar em seu interior,
pelas risadas de alegria que teve em todo esse tempo (as alegrias também
gastam), pelas rugas que sempre enxergávamos nos outros e até
as pilhérias que fazíamos, hoje também esta criança as tem.
Hoje
está até meio alquebrada, é necessário outros a lembrarem para
endireitar o corpo. Nem subir em uma pequena escada a deixam mais.
Parece que até ronca ao dormir. Seus olhos não são mais matreiros, porém
um pouco apagados, mas nem por isso deixa de reconhecer os bons amigos
que seguiram e seguem o mesmo caminho, por quem esta criança ainda
consegue fazer suas preces, para que Deus olhe por todos seus
familiares, pelos amigos (as), pelos que sofrem e pelos que ainda não
compreenderam a própria missão aqui na terra.
Descobri que aquela criança que tanto procurei está dentro de mim... Sou eu mesmo, Graças a Deus!
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